Investigação em medicina regenerativa conduziu à criação de uma nova terapêutica direcionada para as patologias de cartilagem, osso e tendão.
Inês Leal Reis, estudante do Programa Doutoral em Ciências Veterinárias do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto, acaba de publicar um artigo científico que vem reforçar a eficácia de um tratamento regenerativo “extremamente inovador para a recuperação de lesões graves do aparelho locomotor de cavalos”, desenvolvido no Laboratório de Terapias Celulares Veterinárias do ICBAS, Universidade do Porto, e patenteado por esta mesma Universidade
Atualmente, sabe-se que os animais são propensos a lesões articulares devido a traumatismos ou patologias induzidas pelo stress. A natureza dos desportos equinos torna a cartilagem articular destes animais particularmente suscetível a danos. Os tratamentos tradicionais centram-se predominantemente no controlo da dor e da inflamação, aliviando os sintomas, mas com uma capacidade limitada para corrigir a patologia subjacente, retardar a progressão da doença e, em última análise, regenerar os tecidos danificados. Quando o tratamento conservador falha, as abordagens cirúrgicas, como a implantação autóloga de condrócitos (ACI), podem ser consideradas, mas apresentam limitações. Por conseguinte, existe uma procura premente de novos tratamentos capazes de regenerar tecidos e restaurar a funcionalidade, permitindo que os cavalos retomem as atividades físicas e o desempenho atlético.
É precisamente para dar resposta à procura premente de novos tratamentos capazes de regenerar tecidos e restaurar a funcionalidade, permitindo que os cavalos retomem as atividades físicas e o desempenho atlético, que investigadores do ICBAS vêm trabalhando há vários anos neste produto regenerativo inovador, com base na experiência acumulada em tratamentos de tendões e ligamentos de cavalos de desporto. Os resultados falam por si. Os cavalos recuperaram função em tempo recorde, sem terem recidivas; facto este evidenciado por um período de follow-up de cerca de 7 anos.
O trabalho agora publicado decorreu de um caso clínico realizado a um cavalo de desporto de cinco anos, numa parceria entre a equipa de investigação liderada por Ana Colette Maurício, Professora Catedrática do ICBAS e Diretora do Centro Clínico de Investigação Veterinária de Vairão (CCIVV) e a equipa clínica dirigida por Luís Lamas, da Faculdade de Medicina Veterinária (FMV) da Universidade de Lisboa.
Este último caso publicado foi mais ambicioso pois, como observa Inês Leal Reis, “decidimos sair da zona, que, entretanto, se tornou de conforto atendendo à repetibilidade de resultados positivos que estávamos a ter no tratamento de tendões e ligamentos”.
Inês Leal Reis (à dir.ª) desenvolveu o trabalho no âmbito da equipa liderada por Ana Colette Maurício (à esq.ª). (Foto: DR)
A equipa conseguiu que, imagiologicamente, houvesse recuperação das estruturas afetadas. Sobre a recuperação clínica do cavalo, a investigadora afirma que “atualmente, 22 meses depois da lesão, este cavalo se encontra a competir num nível acima daquele em que estava aquando da lesão”, notando ainda que “a maioria dos animais que sofrem este tipo de lesões terminam invariavelmente as suas carreiras desportivas ou baixam o nível de performance”.
Para Inês Leal Reis, que é também presidente da Associação Portuguesa de Médicos Veterinários de Equino, esta terapia regenerativa, possível numa fase aguda da lesão, “distingue-se por se tratar de uma combinação inovadora células estaminais mesenquimatosas de membrana sinovial, com grande tropismo para articulação e tecidos músculo-esqueléticos, com células estaminais mesenquimatosas de cordão umbilical, conhecidas pelas suas capacidades imunomoduladoras”.
No estudo agora publicado, procurou-se mudar o estado da articulação de uma natureza inflamatória e catabólica para um estado anabólico, permitindo a regeneração da cartilagem. Após diagnóstico realizado ao cavalo, feita por imagiologia (TAC e MRI) na FMV ao abrigo do protocolo científico e técnico estabelecido com esta instituição, revelou defeitos na articulação metacarpofalângica do cavalo (análogo ao pulso dos humanos), defeitos estes que atingiam a cartilagem e outros eram mais profundos e atingiam também o osso subcondral.
O garanhão foi então submetido a um tratamento regenerativo inovador que consistiu em duas injeções intra-articulares de células estaminais/estromais mesenquimatosas da membrana sinovial equina (eSM-MSCs) combinadas com um meio condicionado de células estaminais/estromais mesenquimais do cordão umbilical, com 15 dias de intervalo.
Como consequência, foi realizado um programa de reabilitação de 12 semanas e a claudicação, a dor e a tumefação articular diminuíram consideravelmente; contudo, o estudo imagiológico revelou uma cicatrização incompleta de uma das cinco lesões no osso metacarpiano, o que levou a uma segunda ronda de tratamento.
Ana Colette Maurício e Inês Leal Reis são ambas docentes no ICBAS. (Foto: DR)
Ensaios com humanos “num futuro muito próximo”
Para Ana Colette Maurício, o caso clínico, desenvolvido no âmbito da patente internacional – Regenera (ICBAS/Universidade do Porto), descreve um “tratamento extremamente inovador para a recuperação de lesões graves do aparelho locomotor de cavalos, já igualmente aplicado como tratamento compassivo em cães e num futuro muito próximo, terão mesmo início ensaios clínicos para humanos, dando grande importância à visão de Uma Saúde”.
Os defeitos da cartilagem articular nas articulações dos equídeos, em particular na articulação metacarpofalângica, levam, inevitavelmente, ao desenvolvimento de osteoartrite, causando uma claudicação crónica significativa. No entanto, com um diagnóstico preciso, é possível obter um resultado positivo com tratamentos regenerativos, nomeadamente com este tratamento inovador. Este produto celular demonstrou ser seguro e eficaz, uma vez que não foram registados quaisquer sinais adversos, e a imagiologia avançada evidenciou o preenchimento da lesão osteocondral, a ausência das outras lesões previamente identificadas na artroscopia e a estabilização da osteoartrite.
Para além disso, e não menos importante, clinicamente, após um período de acompanhamento de 20 meses, o equino regressou e progrediu na sua carreira atlética sem quaisquer sinais de claudicação ou recidiva clínica, sem inchaço ou dor na zona lesionada, competindo agora a um nível superior.
O estudo introduziu a aplicação desta combinação na abordagem de dois tipos de defeitos articulares distintos: espessura total e espessura parcial, e pretendeu compreender e descrever a sua capacidade regenerativa. Demonstrou-se ainda extremamente efetiva no controlo e estabilização da osteoartrite que se formou secundariamente ao trauma, facto este extremamente positivo visto que a osteoartrite pode ser controlada, mas dificilmente estabilizada.
Os resultados positivos sugerem a eficácia desta combinação no tratamento de defeitos totais e parciais da cartilagem em cavalos. As células estaminais/estromais mesenquimatosas e os seus fatores bioativos constituem uma nova abordagem terapêutica para a regeneração de tecidos e a restauração da função de órgãos.